sexta-feira, 7 de julho de 2017

Cronologia breve da Torre Velha (2 de 3)

Torre Velha ou Fortaleza de São Sebastião de Caparica

Torre Velha, John Thomas Serres, c. 1801.
Imagem: Catarina Pires no Facebook

1586 (domínio filipino, Torre dos Castelhanos)

Durante a dinastia filipina, novamente as questões da defesa costeira portuguesa se tornaram prementes, pelo que a Torre Velha voltaria a ser alargada e modernizada. Durante este período ficava conhecida como Torre dos Castelhanos. (1)

Na Torre velha vê-se claramente a praça baixa de artilharia. A fortaleza de madeira da Cabeça Seca não está desenhada pelo que é lícito deduzir que havia desaparecido ou estaria muito destruída.

Zee Caerte van Portugal... (detalhe), Lucas Janszoon Waghenaer, 1586.
Imagem: Wildernis

1590

Esta estampa faz parte de uma colecção datada de 1673, mas pelas fortalezas nela inscritas e por a fortaleza da Cabeça Seca ser ainda a construção de madeira devemos recuar a data para 1590, ou até anterior.

A barra do Tejo baseada no Regimento de Pilotos de António de Mariz Carneiro de 1642, reprodução de 1673.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


Estão representados o alcance útil da artilharia e as principais direcções de tiro, tanto quanto parece [] distingue-se a planta em"U" da Torre Velha. (2)

Torre de Belém (D), Castello de Almada (P), Torre Velha (Q), Forte da Trafaria (R).
Descrição e plantas da costa... (detalhe), Felippe Tersio, c.1590.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Lembro-me como se fosse hoje. Deixada a estrada de Porto Brandão, subimos um caminho de terra atravessando, não sem medo, a mole semi-derruída do Lazareto (construido em 1867) então ocupada por retornados; passá­mos grades e galgámos muros; atravessámos uma vasta zona de mata quase amazónica (sinal da humidade retida no fosso aquático que rodeava por terra a fortaleza...); passámos pela frente abaluartada feita em 1571 por Áfonso Alva­rescomo eu sabia por textos, mas que nunca viracom o seu belo portal de pedra almofadada e ponte levadiça, entrando no pátio onde estão os restos setecentistas do Palácio do Governador e as ruínas da capela de São Sebas­tião; para então, ao fim de uma larga esplanada tendo Lisboa como pano de fundo, vê-la erguer-se: a Torre.

Vista norte: Porto Brandão (A), Torre Velha (B), Porto da Torre Velha (C), Torre de Belém (O).
Descrição e plantas da costa... (detalhe), Felippe Tersio, 1590.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

A primeira impressão é, devo confessá-lo, de alguma decepção. (2)

1640 (restauração da independência de Portugal)

Entregou-se o Castello da Cidade, e no mesmo dia as Torres de Belém, Cabeça Secca, Torre Velha, Santo António , e o Castello de Almada, tendo a Duqueza de Mantua a que passava as ordens, que sem resistencia se guardavam.

Mandaram os Governadores sahir do Paço a Duqueza de Mantua para o de Xabregas , onde foi acompanhada do Arcebispo de Braga, e daqui foi mandada para o Mosteiro de Santos das Commendadeiras da Ordem de Santiago.

Os Officiaes de Guerra , e Fazenda Castelhanos , foram postos em custodia competente [...]

Era o principal cuidado delRey [D. João IV] a defensa do Reyno, e assim tratou logo de nomear Generaes, e Cabos para as Províncias [...] 

 a Torre de Belém a António de Saldanha, e por seu Tenente Jacintho de Sequeira; a Torre da Cabeça Secca S. Lourenço ao Capitão Rolão, e por seu Tenente Bernardo Botelho; a Torre Velha a seu Capitão mor Ruy Lourenço de Távora; (3)

1668

A torre é um edifício simples, rectangular sobre o alto, sem traço de decoração: arqui­tectura em estado puro. Mas depois de rodeá-la e examinar as suas paredes nuas, de descobrir nos cantos ao pé do chão seteiras cruzetadas de belo traça­do quatrocentista, outras no andar de cima para tiro vertical; de ver a porta de origem — no piso superior como nas torres medievais, mas de verga recta — com um brasão liso [de Portugal] (de D. João II gasto pelo tempo ou dos Távoras, senhores de Caparica, picado por ordem de Pombal?); de galgar a larga escadaria bar­roca até ao enorme vazio interno, a que falta grande parte do piso em madeira; de observar a magnífica abóbada de berço sem uma fissura apesar dos seus 530 anos de idade — pois uma das conclusões deste trabalho foi datá-la sem erro de 1481 — e de subir a escada a um canto na parede, com frestas para ilu­minação, vigia e tiro, que conduz sem falha ao amplo terraço do alto, de onde se goza de uma vista soberba sobre a foz do Tejo, o efeito muda por completo. (4)

Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669), Pier Maria Baldi.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

1692

Um retrato muito exacto da fortificação é-nos proporcionado por uma planta d 1692. A planta mostra a torre, então já rebaixada circundada por duas cortinas com três baluartes nos ângulos e do lado oeste uma praça de artilharia, junto da antiga Torre. 

Planta da Torre Velha de Caparica, Mateus do Couto, 1692.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Todas as partes fundamentais traçadas na planta de 1692 subsistem nos nosso dias. São elas, escolhendo as mais características: A torre do século XV, já rebaixada; As cortinas leste e sul e os três baluartes; O fosso, a leste, agora entulhado; A casa do governador, a capela adossada à cortina da porta de armas e uma construção abrigando uma escada no ângulo sueste da praça de armas.

c. 1700

São partes agora desaparecidas a escadaria de acesso à praça baixa de artilharia e esta mesma praça com os respectivos paiois. O desaparecimento da bateria baixa é, por certo, mais uma vez, consequência do progressivo recuo da arriba com sucessivos aluimentos. Na cortina leste, a planta dá-nos ideia de que, pelo lado interior, o da praça de armas, se fez um alargamento em relação ao existente no século XVI, acrescentando paiois. Também pelo lado sul a cortina da porta de armas podem ter sofrido intervenção semelhante, mas aqui a evolução é menos evidente.

Configuração da entrada da Barra do Porto de Lisboa... (detalhe), c. 1700.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

Este processo do rápido recuo da arriba resulta da fraca consistência do terreno, onde os calcários do terciário pouco consolidados e muito fracturados se misturam com grandes quantidades de terreno argilo-arenoso e com un espessa camada de aluvião [...]

1794

O conde de Lippe, o grande reformador do nosso exército, dedicou grande atenção às fortificações e preconizou mesmo a construção de uma linha de defesa com frente olhando para sul ao longo da linha de alturas entre Almada e a Raposeira; natural seria pois ter havido intervenção nas fortalezas marítimas a sul do Tejo, nomeadamente a Torre de S. Sebastião.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt,1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Uma "Memória Geográfica Sobre o Reino de Portugal", publicada em Paris em 1767, informa o seguinte: "A esta torre [S. Vicente de Belém] opõe-se pelo lado sul a Torre Velha ou de S. Sebastião. Está situada sobre uma montanha e as suas baterias altas e baixas cruzam a da Torre de Belém."

Da descrição pouco se pode inferir mas é possível que a fortificação estivesse então operacional. Na última década do século XVIII a Torre sofreu obras: um ofício dirigido ao juiz de fora da vila de Almada, datado de 24 de Fevereiro de 1793 faz referência ao envio de madeiras "para as obras que se estão fazendo na Torre Velha".

Caparica Torre Velha em Porto Brandão,  Cota GEAEM 2696-2A-25A-36 1795.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

Estavam pois em curso, obras na torre, o que se confirma por um relatório de Guilherme Luís António de Valleré de 9 de Setembro de 1794 dirigido ao ministro da guerra, o Duque de Lafões.

Neste relatório, muito detalhado na descrição da artilharia, munições e palamenta existentes na torre, afirma Valleré que, "com as obras que se lhe têm acrescentado é capaz de se lhe colocar na frente que defende a passagem do Tejo, a artilharia seguinte: 12 peças de calibre 36; 13 peças de calibre 24; 11 peças de calibre 18; 7 peças de calibre 12. 

Caparica Planta da Torre Velha do Porto de Lisboa, Cota GEAEM 2700-2A-25A-36 1700 1900.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

No total portanto de 43 peças só nas frentes do Tejo e previa ainda mais 6 peças de calibre 6 para defesa pelo lado de terra. De acordo com o mesmo relatório de Valleré o número de peças existente era inferior ao previsto: 5 peças de ferro de calibre 24; 7 peças de bronze de calibre 18; 7 peças de bronze de calibre 12; 6 peças de ferro de calibre 6.

Havia ainda mais uma peça de bronze desmontada e inutilizada. Todas as peças estavam montadas sobre reparos de marinha, novos.


Dirigiu as obras entre 1794 e 1796 o coronel Francisco D'Alincourt que, neste último ano apresentou um projecto para ampliação da fortaleza. 

O projecto não foi executado, apenas se verificando agora a existência de algumas partes que lhe podem corresponder.

São elas: um largo parapeito junto da bateria baixa que se propunha acasamatada, com frente para oeste-noroeste, que ainda estava por acabar em 1803 e uma bateria acasamatada para 6 peças, prevista para defesa pelo lado de terra, situada no canto sudoeste da praça alta, num lugar onde a planta de 1692 representava a muralha como inacabada. 

Caparica Torre Velha em Porto Brandão, Cota GEAEM 2680-2A-25A-36 1700 1900.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

Um excelente desenho a cores de 1796 assinado por D'Alincourt mostra-nos que toda a artilharia destinada a atirar sobre navios seria disposta em baterias baixas acasamatadas. No desenho observam-se 29 canhoneiras em bateria baixa e 10 em bateria alta. 

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

A perspectiva não permite observar quaisquer posições viradas a norte e noroeste pelo que a previsão de artilhamento pode ainda ser superior aquilo que é visível no desenho. (6)


(1) Catarina Oliveira, IGESPAR, I.P./ Maio de 2012
(2) R. H. Pereira de Sousa, Pequena história da Torre Velha, Almada, Câmara Municipal, 1997
(3) Rafael Moreira in Pedro Cid, A Torre de S. Sebastião de Caparica..., Lisboa, Ed. Colibri, 2007
(4) António Caetano de Sousa, Historia genealogica da Casa Real... Tomo VII, 1740
(5) Rafael Moreira in Pedro Cid, Idem
(6) R. H. Pereira de Sousa, Idem

Artigos relacionados:
Torre Velha por dom António
Líricas de Melodino
Importância relativa

Leitura adicional:
Catarina Oliveira, IGESPAR, I.P./ Maio de 2012
Linhas de Fortificação da Margem Sul
Fortificações da foz do Tejo
À descoberta das sentinelas...
Forte de São Sebastião de Caparica (fortalezas.org)
rossio. estudos de lisboa n. 7 dez 2016
A (abandonada)Torre de São Sebastião de Caparica

Bibliografia:
Sousa, R. H. Pereira de, Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Almada, 1981
Sousa, R. H. Pereira de, Pequena história da Torre Velha, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1997
Júnior, Duarte Joaquim Vieira, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896
Cid, Pedro, A Torre de S. Sebastião de Caparica e a arquitectura militar do tempo de D. João II, Lisboa, Ed. Colibri, 2007

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