terça-feira, 6 de junho de 2017

O Alfeite para escola liberal

Apareceram em alguns jornaes noticias ácerca da proposta de compra ao Estado do palacio do Alfeite, por um grupo de cidadãos liberacs de que fazem parte os srs. Tomaz da Fonseca, deputado e diretor das escolas normaes, Ferreira do Amaral, engenheiro, Francisco Grandela, comerciante, etc.

Recordação de uma "pandiguinha" na tapada do Alfeite em 28 de Setembro de 1913.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, António Ramalho, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004

As mesmas noticias dizem que sobre este assunto, os interessados tem tido varias conferencias com o sr. ministro do fomento e que a oferta é de cem contos por esta propriedade.

Praia do Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

Como ilucidação cabe fazer aqui a breve historia desta propriedade, uma das mais rendosas que pertencia á corôa desde 1834.

Quando D. Afonso Henriques conquistou Lisboa, já esta propriedade existia com a denominação de Penha. D. Afonso doou-a então aos inglêses, que o ajudaram na conquista.

D. Sancho I fez passar esta propriedade aos cavaleiros da Ordem de S. Tiago, até que, no reinado de D. Diniz, foi encorporada nos bens da corta dando em troca áquela ordem as vilas de Almodovar c Ourique, e os castelos de Monchique e Aljesur.

Tejo junto à Praia do Alfeite, António Ramalho, 1880.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

D. Fernando I incluiu a Penha nos bens com que dotou sua mulher D. Leonor Teles, a qual, depois da morte do marido, os doou ao celebre judeu David Negro, almoxarife das alfandegas do reino.

Este judeu, seguindo o partido da rainha viuva, acompanhou-a na fuga para Alemquer, a isso obrigada pela revolta em favor do Mestre de Aviz.

Por este facto David Negro foi declarado traidor á patria e sequestrado-lhes todos os seus bens.

D. João I, ainda regente, doou a Penha ao seu companheiro de armas, o condestavel D. Nuno Alvares Pereira.

Pomar do Antelmo, Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

A mulher de David Negro, porém, sabendo desta doação, tentou embargal-a em nome dos filhos, e disto se originou uma demanda, que durou nove anos, terminando por urna composição, em que ela ficou com os bens de Almada, que compreendiam a Penha e o condestavel com os de Lisboa.

Mais tarde, conforme a tradição, D. Nuno Alvares Pereira comprou aos herdeiros de David Negro, aquela propriedade para a reunir a outras que possuia da outra banda do Tejo, até que, em 28 de julho de 1404, doou estes e outros bens que tinha á Ordem dc Santa Maria do Carmo. Foi depois desta doação que a propriedade da Penha passou a denominar-se do Alfeite.

Paisagem na Real Quinta do Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

Passam-se mais de dois seculos em que a propriedade do Alfeite sofreu varias alternativas e, só em 1697, parece que a adquiriu D. Pedro II, de Gerardo Huguer Marcem, que então estava de posse dela, e a incorporou na Casa do Infamado.

No reinado dc D. João V, o infante D. Francisco, a quem pertencia esta Casa, instituida por D. João IV, reuniu-lhe a quinta da Romeira, comprada, em 1707, ao conde de Tarouca, e mais outra que comprou ao desembargador Antonio da Maia Aranha.

Lavadeiras na Romeira, Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

D. Maria I aumentou os bens do Infantado com mais propriedades que lhes juntou, e D. Miguel, no 1.° de julho de 1833, arrematou a quinta da Piedade, que se ligava com as do Alfeite, e que depois passou á posse de Pompeu Dias Torres, negociante em Lisboa, que por sua vez a vendeu ao moageiro Antonio José Gomes, sendo hoje dos seus herdeiros.

A propriedade do Alfeite, com os seus palacios, compôe-se do Outeiro, Quintinha, Antelmo e Bomba, pertencendo-lhe tambem a vinha do Pagador, a Lagôa de Albufeira, os pinhaes de Corrolos e do Cabral, os moinhos do Gaivão, Passagem, Capitão e Torre. 

Em 1851 debateu-se na Camara dos Pares a questão do arrendamento da propriedade do Alfeite ao conde de Tomar — Costa Cabral — então presidente do conselho. Esse arrendamento era por 99 anos e por 2:500$000 réis anuaes. A quinta do Alfeite era naquele tempo um onus para a casa real, bem ao contrario do que hoje acontece, pois só a venda da arda extraida dos seus areiaes para as construç8es dc Lisboa e seu termo, constitue um rendimento importantissimo.

Paul da Outra banda, Pântano, Vista do Alfeite, Charco de Corroios, José Malhoa, 1885.
Imagem: Blog do Noblat

A questão a este respeito ventilada na camara alta foi das mais escandalosas, entre os partidarios de Costa Cabral e os adversarios á frente dos quaes se encontrava o marechal Saldanha. A ultima sessão em que este assunto foi debatido e em que o conde de Tomar pronunciou o seu ultimo discurso parlamentar, tomando a propria defesa, realisou-se em 22 de março de 1851. O parlamento foi encerrado e poucos dias depois iniciava o duque de Saldanha o movimento revolucionario conhecido pela Regeneração, que importou a queda do governo dc Costa Cabral e a este se exilar para o estrangeiro. 

Paço Real do Alfeite, Aguarela, Enrique Casanova
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Em 1857 D. Pedro V fez grandes melhoramentos na quinta do Alfeite, e mandou construir o novo palacio mais elegante e confortavel do que o antigo, que cahira em ruinas, assim como no Antelmo, pertensa da mesma propriedade, que foi restaurada. 

Lago do Antelmo — Alfeite, João Ribeiro Cristino, 1883.
Imagem: Veritas leilões

Nos ultimos tempos, o palacio do Alfeite era utilisado pelo sr. infante D. Afonso e pela rainha sr.a D. Amelia, que ali ia passar alguns dias, no outono.

Alfeite (ao tempo) lugar da freguesia da Nossa Senhora da Piedade.
Imagem: Delcampe

A proposta que aparece agora para a compra desta propriedade, não deixa de fazer lembrar a que em 1851, o conde de Tomar tentou para o seu arrendamento, por 2:500$000 réis, talvez menos da quarta parte do rendimento só da areia que de ali se extrae anualmente. (1)


(1) Occidente n.° 1203, 30 de maio de 1912

Tema: Alfeite

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