domingo, 12 de fevereiro de 2017

Grande passeio à Outra Banda (3 de 10)

Lá no castelo de Almada,
Fica a "troupe" embasbacada.

Almada, Uma das muralhas do castelo, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Viram a vista de fama, 
Do esplendido panorama. 
E o padre pondo-se a pé, 
E abrindo o olho baço, 
Gritava: "Lá está a Sé... 
Mais o terreiro do Paço... 
A Penha de França... o Monte... 
A Graça ao lado... e defronte,
O zimborio da Estrella... 
Ih! Jesus! que vista aquella! 
Todos, todos... "ai, que encanto!" 
O Gamboa, diz: "Oh! mana, 
Olhe o forte de Monsanto,
Onde esteve o Gungunhana... 
Que vista esta tão bella...
Lá está acolá... Palmella.
E ali assim... Belem... 
Até se vêem os omnibus! 
A egreja dos Jeronymos.

Lisboa, Panorama do Rio Tejo, Alberto Malva, 14, c. 1900.
Imagem: Delcampe

A Inglaterra não tem, jóias,
Nem a França nem a Suissa,
Uns panoramas eguaes, 
De tão completa cubiça!
Olhem para todo este rio...
Que belezas naturaes! ... 
Olha a torre do Bugio, 
E a bahia de Cascaes!"

Notem que o rapaz dos burros, 
Esta, pois que não esqueça, 
Levava ás costas, no pau, 
Enfiada uma condessa, 
Com a petisqueira... mau!

Era o farnel: Carne assada,
Com batatas, estufada,
E tres gallinhas coradas,
Que é melhor não fallar n'isso,
C'o competente chouriço,
E pescadinhas marmotas,
D'estas de rabo na bocca;
Em quatro vidros, compotas,
Porém, fructa, muito pouca;
Porque dizia o Gambôa:
"Na Outra Banda ha á toa."

Chafariz do Pombal, Almada, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Delcampe

Segue o cyrio triumphal,
Para o "Joaquim dos Melões", 
Pelo sitio dos Pombal, 
Onde os nossos figurões
E o padre no seu macho, 
Começam nas libações, 
Copo cheio, copo a baixo.

O Gambôa com a pressa, 
De saltar do albardão, 
Cai, e bate co'a cabeça, 
Logo ali no meio do chão! 
O rapaz, p'ra lhe acudir, 
Por bregeiro e maganão, 
Deixa cahir a condessa, 
Ao pé do caramachão, 
E tudo desata a rir 
Na maior animação.

Logo aquella boa gente, 
Lá do "Joaquim dos Melões", 
Excellentes creaturas, 
Que são todas attenções, 
E deff'rências as mais puras, 
Que eu amo sinceramente, 
Logo todos mui afflictos, 
Acudiram ao Gambôa, 
Chapinhando-lhe a cabeça, 
Com agua-ardente bem boa.

No Lazareto de Lisboa, Joaquim dos Melões, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Limpa-lhe o padre a poeira, 
E diz com sua voz fina: 
"Deixe provar a piteira, 
Sôra Dona Carolina, 
Eu também soffri abalo... 
E ella cheira... cheira... cheira... 
Cheira que é mesmo um regalo!"

Não faço d'isto segredo, 
Em Cacilhas agregou-se, 
A este rancho decantado, 
O senhor Julio Azevedo, 
Um cavalheiro estimado, 
De bondade todo cheio, 
Em companhia também, 
Do illustre senhor Feio 
Um puro homem de bem.

A Caminho do Pic Nic...
Imagem: Delcampe

Iam os dois na charrétte 
A trote na egua baia, 
Com o Sousa e o Rodrigues, 
Para a quinta d'Atalaya. 

Mas como era o Gambôa, 
Amigo d'este quartetto. 
Lá foram todos na pandega, 
No cyrio q'rido e selecto.

Amora Avenida Marginal Lado Sul Manuel Henriques Jr 01.jpg
Imagem: Delcampe

Pouco mais de meia hora, 
Com grande jovialidade, 
Tudo foi da Piedade, 
Até ao logar d'Amora: 
E tudo na melhor ordem, 
Sem ninguém dar uma raia, 
Abancou rindo e folgando, 
Lá na quinta d'Atalaya. (1)


(1) Diário Illustrado, 10 de agosto de 1896

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