quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Embrechados (1 de 5)

Embrechados são os mosaicos caprichosos as incrustações variegadas feitas de seixos multicôres, de búzios e conchas, de fragmentos de louças finas, de contas e crystaes coloridos que adornavam as grutas, os nichos e alegretes dos jardins e quintas portuguezas [...]

Almada, Serões, revista mensal ilustrada, n° 2, 1905.
Imagem: Hemeroteca Digital

Entre os quadros que Lisboa, a linda Lisboa, Lisbon the fair, como lhe chamou um escriptor americano [escocês, Mickle, William Julius, Almada hill: an epistle from Lisbon, Oxford, W. Jackson, 1781], offerece para regalo dos olhos dos seus habitantes, figura o panorama da Outra Banda.

Panorama de Lisboa, ed. Tabacaria Costa, c. 1900.
Imagem: Bosspostcard

Na sinuosa linha que além do Tejo corre desde as indecisas planuras do Montijo, subindo longe ao altivo castello de Palmella, e dobrando pelo Barreiro e Seixal, vem quebrar-se no Pontal de Cacilhas, para, depois d'uma ascenção rápida, se prolongar com acidentes vários ao largo, até ás costas da Trafaria, e alcançar o isolamento do Bugio;

Baixa e Rio Tejo (montagem), Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

n'essa linha que traça uma das mais bellas paysagens do mundo, o olhar de quem sabe olhar, e de quem sente o que olha, descança docemente n'um dos refegos da encosta, onde se aninha a casaria branca de Almada.

Regata dos barcos da Channel Fleet em Lisboa, 1869
Imagem: amazon

Ou seja nas tardes claras em que a humidade da atmosphera serve de lente e approxima de nós as minuciosidades do quadro, mostrando-nos nitidamente as fachadas das casitas claras, os campanários graciosos de Santa Maria e S. Thiago, o castello, as copas verdes e ramalhudas das arvores, e mais para a direita do espectador, em contraste com a risonha villa, o severo e sisudo convento de S. Paulo; 

Almada, Lado Sul, Lado norte, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 09, 10, c. 1905.
Imagens: Delcampe

ou seja, nas manhãs de outomno, em que a paysagem se distanceia mais e uma ténue neblina esbate os contornos dando aos objectos phautasticas formas, cheias de indeciso e de mysterio; ou seja nas noites de plenilúnio, em que, batidas de luar claro, as casas, a torre e o castello tomam o ar d'um scenario de bailada, e dominam com poesia severa a prata liquida do Tejo;

Almada, a loureira visinha de Lisboa, tem sempre um encanto a que só se escapa o paladar embotado de espectador alfacinha que nasceu a ver a Outra Banda, e que, distrahido, n'ella não attenta.

E, comtudo, quem nos carros eléctricos, percorrendo cada dia a margem direita do Tejo, levado aos seus negócios ou attrahido pelos seus prazeres, olhar pelos intervallos das monstruosidades que se amontoam ao longo da linha marginal, como biombo asqueroso, e quem subindo a Santa Catharina, onde discreteavam os velhotes do Tolentino, 

Vista de Almada, cais da Ribeira Nova e Fabrica de Gás da Boavista (detalhe), 1905.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

ou ao adro das Chagas, onde galanteava Camões, reparar na margem fronteira, e deixar cahir a vista n'essa pequenina villa, tão garrida, sente decerto, além do pittoresco do espectáculo, aquelle phenomeno de evocação, que nasce das coisas que atravessaram a Historia.

Panorâmica de Lisboa e do rio Tejo vendo-se a igreja das Chagas de Cristo, 1905.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

De facto, Almada tem no grande livro dos fastos da Península alguns pequenos capitulos, ou pedaços d'elles, que lhe dão foro de fidalguia, e chamam o nosso interesse. (1)


(1) Sabugosa, Conde de, Embrechados, Lisboa, Portugal-Brasil Lda., 1911

Versão integral impressa:
Almada pelo conde de Sabugosa, em 1905 (parte I)
Almada pelo conde de Sabugosa, em 1905 (parte II)

Artigo relacionado:
Colina de Almada

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