sábado, 10 de janeiro de 2015

Os Cachopos

Se o Conde de Bolonha D. Affonso, Infante de Portugal, teve filhos de sua primcira mulher a Condessa Mathilde (1202 -1259), he hum dos pontos, em que com mayor vigor se tem contendido, e disputado.

A map of the mouth of the famous river Tagus or the harbour of the city of Lisbon (detalhe), William Burgess 1729 - 1746.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em quanto Portugal se conservou separado [de Hespanha], nunca esta materia teve mais fundamento do que a tradição pueril de alguns Historiadores, de quem se pode dizer, que a escreverão para gastarem tempo, e papel com a sua narração, mas depois, que o imprudente valor del Rey D. Sebastião condenou ás masrnorras de Africa no,campo de Alcacere toda a gloria Portugueza, e depoia que a indesculpavel irresolução do Cardeal D. Henrique, que quasi na sepultura cingio a Coroa, deo lugar a que se occupasse o Throno Porruguez pela violencia das armas, e não pela desarmada força do Direito, então he que começou a soar pelo mundo com mayor estrondo a injustiça, que El Rey D. Alfonso III usou com os filhos, que houve de sua primeira mulher a Condessa Mathilde de Bolonha [...]

Vista do Tejo e do palácio da Ajuda, Charles Landseer, 1825.
Imagem: Instituto Moreira Salles

Diz pois a tradição, como referem estes Authores, que sabendo em França a Condessa Mathilde, que seu marido o Infante D. Affonso estava casado em Portugal com D. Brites, filha bastarda de D. Alfonso X Rey de Castella, levada da impaciencia de caso tão feyo e doendolhe vivamente o desprezo da sua pessoa, e do seu amor, viera acompanhada de huma frota a este Reyno, e que chegando a Cascaes, soubera que o infante estava em Frielas, e que por huns criados de grande estimação, e confiança, que consigo trazia, lhe escrevera, representandolhe a indignissima acção, que usava com ella, e pedindolhe, que desse satisfação ao escandalo de toda a Europa.

Descripção da boqua do Tejo, Vincenzo Casale, 1590.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

Diz mais a tradição, que o Infante sem fazer caso dos seus rogos, nem das suas justificadas representações, lhe respondera com aspereza tão pouco esperada, que desconfiando de conseguir o que pretendia, entre a dor, e a desesperação expuzera os os filhos, que comsigo trazia, na foz do Tejo, donde teve principio o nome de Cachopos que na nossa linguegem antiga he o mesmo que Meninos, e que voltando outra vez para França, se valera do respeito de S. Luiz, que então reynava gloriosamente naquella Monarchia, para que a grande authoridade desse Principe fosse o remedio da sua injuria, o não chegou a ter effeito [...]

A map of the mouth of the famous river Tagus or the harbour of the city of Lisbon (detalhe), William Burgess 1729 - 1746.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quem se não ha de rir vendo que escreverão huns homens, que se prezavão de eruditos, que desta acção se derivou o nome de Cachopos, por se exporem naquelle lugar estes reos innocentes? Que mayor argumento da ignorancia desta nova tradição? Os Cachopos he huma corrupção da palavra Latina Scopulm, com que se explicão os baixos, que se fizerão infames no escandalo dos navegantes pelos naufragios, que causarão, e nunca se derivarão dos meninos, que nelles deixou o desconfiado amor da Condessa Mathilde.

18
Moleta
Batiment qui pêche dans le Tage et en dehors

Só huma circunstancia tem faltado a este conto de velhas, que foy o como se salvarão daquelle liquido patibulo. Não appareceo atégora algum compadecido pescador, que vendo-os em tão evidente perigo, os salvasse na sua molleta, ou no seu barco do alto [...] (1)

13
Lanchas do Alto
Batiments pecheurs qui vont en haute Mer

A entrada do Tejo fica situada entre as torres de S. Julião e do Bugio, que distam 2:750 metros uma da outra, e entre o Bugio e o Bico da Calha, ou ponta do cabedelo do S. Dois grandes bancos se prolongam para o mar na direcção geral de NE. - SW., que se denominam Cachopo do N. e Cachopo do S., ou Alpeidão. Formam estes cachopos dois canaes, o do N., ou corredor do N., que fica entre o cachopo do N. e a torre de S. Julião da Barra, e o do S., ou Barra Grande, que fica entre os dois cachopos indicados. Alem d'estes canaes ha um outro, estreito, pouco fundo e variável em planta, chamado Golada, entre a torre do Bugio e a terra.

Vista do estuário do Tejo, tomada da Estação Espacial Internacional, Samantha Cristoforetti, 2015.
Imagem: Samantha Cristoforetti no Facebook

O cachopo do N. estende-se naquelle rumo por 5:500 a 6:500 metros. O do S. é formado da cabeça do Pato, das coroas de Santa Catharina e do cachopo propriamente dito.

Sobre a primeira parte ha peio menos 10 a 12 metros de agua. As coroas de Santa Catharina ficam entre a cabeça do cachopo e a do Pato. Este cachopo do S., ou Alpeidão. na extensão proximamente de 5:500 metros, é um banco de areia, que descobre em baixa-mar em diversos logares.

Lisboa com a sua área às 10 horas, Christian Friedrich von der Heiden, 1672.
Imagem: BLR

O banco, ou barra que liga os extremos dos cachopos pelo W., fica entre a cabeça do Pato e o Espigão, na máxima largura de 3:700 metros, e forma grande escarcéu com ventos do quadrante do SW., levantando ás vezes um rolo do mar, ou arrebentação, que fecha de um lado ao outro o canal da barra e offerece nessas occasiões perigo em arrostar com elle. (2)


(1) Barbosa, Joze, Catalogo chronologico, historico, genealogico, e critico, das rainhas de Portugal..., Lisboa, Na Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1727.
(2) Loureiro, Adolfo, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, Vol III parte 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906

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Leitura relacionada:
Naufrágios na foz do Tejo
Santos, Cristina, Fortificações da foz do Tejo, Lisboa, Universidade Lusíada, 2014

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