terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quarentena

Rafael Bordalo [Raphael Bordallo] Pinheiro (1846 - 1905), presença no Brasil de 1875 a 1879.

Rafael Bordalo Pinheiro.
Imagem: Hemeroteca Digital

Meu caro Tejo de Cristal. Cheguei há dias do Brazil.

The Pacific Steam Navigation Company's Royal Mail Steam Ship, John Elder 3,500 Tons, 600 HP. Built by John Elder & Co., Glasgow, 1869.
Imagem: 19th Century Ship Portraits in Prints

Desembarco considerado para todos os effeitos um emissario do Vomito Negro.

Panorama visto da Trafaria, Vista de Lisboa e do Tejo tirada do Lazareto, ed. Tabacaria Costa, década de 1900. .
Imagem: Delcampe

Os quartos de 1.a classe. Os de 2.a. Os de 3.a. isto é: 3 classes distintas e uma só verdadeira.

No Lazareto de Lisboa, o quarto, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A peça de luxo, a melhor peça de architectura do edifício.

No Lazareto de Lisboa, a peça de luxo, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal>

No vão inferior desta escada é a hygienica sala de jantar da 3.a classe.

No Lazareto de Lisboa, a sala de jantar da 3.a classe, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


Oh! como eu me recordo do sumptuoso serviço do Joaquim dos Melões, de Cacilhas. (1)

No Lazareto de Lisboa, Joaquim dos Melões, Rafael Bordalo Pinheiro, 1881.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O namoro da janella abaixo, imprevidente, como não pôde deixar de ser, arrisca uma mulher a ligar-se para sempre a um vadio; ou um homem laborioso a cabir na armadilha que lhe preparou a menina que só via no casamento a possibilidade de assistir na rua dos Condes à representação de uma magica, ou de ir no dia de S. João à Outra Banda merendar a casa do Joaquim dos Melões.
Em conclusão, o namoro da janella abaixo devia ter sido prohibido pelo Código civil como attentato-rio da dignidade da familia, e conductor seguro e rápido do divorcio judicial.

in Galeria de Figuras Portuguezas
 

Montar, galopar, correr, correr ainda que seja n'um jerico de Cacilhas, por essas azinhagas floridas da outra banda do Tejo, gaiato ao couce, sobre um albardão berrante e jaezes polychromos, onde a figa negreja na testeira do jumento entre ourellos de algodão, vermelho como as cerejas de Ceragonte!
Montar, cavalgar, é a preoccupação o pensamento de metade da humanidade, desde o juvenil escolar até ao pacato burguez, que por dias santificados vae divertindo a rotunda esposa até abancarem no Joaquim dos Melões, saboreando a bella salladinha com pimpínella e aipo, e a boa pescadinha frita digna de figurar no banquete, entre as matees e os ganços da Germânia, quando Lucullus jantava em casa de Lucullus!

in Recordando


Ter uma pessoa uns cobres a mais nas algibeiras e desejar divertir-se, não é caso para se surprehender ninguem; é mesmo um caso naturalissimo!
Escolher o outro lado do Tejo para dar uma passeata, é igualmente um caso muito natural! 
Ter fome e ir petiscar, continua a ser o caso mais natural do mundo! Dar a preferencia á antiga casa do defunto poeta Joaquim dos Melões, não é para admirar, pela fama do estabelecimento e, ainda mais, pela fama dos petiscos! 
Mas... fazer um roubo em domicilio proprio, isso é que é realmente um facto digno da maior censura e punido rigorosamente pelo nosso codigo civil. 
Pois é verdade. . . roubamos! 
Mêa culpa, mêa culpa, mêa maxima culpa!!! 
O arrependimento. porém, salva, e aqui vimos depôr o roubo tal qual o encontrámos sobre uma das mesas da casa do poeta, onde petiscâmes no dia 15 de setembro, por occasião da festa no largo da Piedade.
Eil-o sem lhe faltar nada:

"Lista"
Sopa de Masa. 
dita Juliana. 
canga de galina. 
haros. 
came cocida. 
carne hasada de Baca. 
dita porco. 
costa letas panadas. 
Lingoa hagardincira. 
carnes estopada hargerdineira. 
pato courado com haros. 
galina courada. 
Dita d'fricace. 
dita de celbid'la, 
cuello gisado. 
carneiro gisado
pato com feigon carapato 
carne pre fifes
Frangos de fricace.
"sobre mensas"
ceijo falmengo
dito branco al farina
Peras
Pecegos
Larangas
hubas
Macanis
Melons
Toda hacalidade de dose

Se ainda fosse vivo o velho Joaquim dos Melões, diria na sua linguagem pittoresca e metrificada:

É uma coisa nunca vista,
a redacção d'esta lista!
É discipulo o intrujão
Do seu "Brabozá Lião"!
Merece o autor do "menú"

Um pontapé no... etc.

Zé Povinho, Faianças Artísticas Bordallo Pinheiro Lda.
Imagem: Restos de Colecção


in Almanach do Trinta 1881, Lisboa, Typographia Popular, 1880

Alguns dos companheiros de quarentena no Lazareto.
Imagem: Correia, António, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973.


(1) Pinheiro, Raphael Bordallo, No Lazareto de Lisboa, Lisboa, Empreza Litteraria Luso-Brazileira Editora, 1881.

Artigos relacionados: 
Lazareto de Lisboa, em 1897
Decauville Cacilhas Lazareto em 1894

Informação adicional:
O Lazareto, Gazeta dos Caminhos de Ferro n.° 1374, 16 de março de 1945
Restos de Colecção, Raphael Bordallo Pinheiro

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