segunda-feira, 7 de julho de 2014

Liberato Teles

Francisco Liberato Telles de Castro e Silva (1843 — 1902)

É um illustrado funccionarío das obras publicas, conductor de 1.a classe do quadro auxiliar do corpo de engenheria civil sr. Francisco Liberato Telles de Castro da Silva, [...] prestando assim homenagem a um cavalheiro muito apreciavel pelos seus dotes de technico, de artista e de erudito, tres qualidades que reunidas formam um caracter deveras distincto.

Francisco Liberato Telles de Castro e Silva.
Imagem: Hemeroteca Digital

Como technico tem publicado varios estudos interessantes sobre diversas especialidades do seu conhecimento.

Data de 1873 o seu primeiro livro intitulado "Guia do empreiteiro". pequeno volume contendo formulas, tabellas, indicaçäo de processos de contstrucção, traçados de estradas, series de preços, etc; a clareza com queãistá escripto e a rnaneira por que o assunpto está tratado tomam este livro muito util e efficaz aos empreiteiros, mormente os de estradas.

Embora iniciada assim, por um livrinho de valor, a serie dos seus estudos, Liberato Telles só dezoito annos depois publicou o novo trabalho intitulado "Duas palavras sobre pavimentos", que é um tratado completo sobre processos antitigos e modemos usados no revestimento dos pavimentos, c no qual sob a forma de livro o auctor publicou os seus preciosos apontamentos profissionaes, enriquecendo-os de curiosas notas históricas. 

Demanda este trabalho muita atenção na regularização da superfície a calçar nivelando-se muito bem, em seguida fixar-se-ão os moldes dos desenhos a produzir, partindo dos centros para os lados; a posição do molde é determinada por meio de esquadria, ou por outra, determinado o eixo da rua, passeio, etc., fixar-se-á nos extremos um cordel indicando-o, e deste modo para o lado se levantarão perpendiculares e só por meio delas se poderão assentar convenientemente os moldes.

Assentes estes, começar-se-ão a encher os vazios com pedra de dimensões iguais às da calçada com pedra miúda, encostando-as de encontro aos moldes, preparando-se muito bem a pedra para poder produzir esse fim — cheios os vazios tiram-se os moldes e calcetam-se com pedra de outra cor o espaço por eles ocupado, empregando-se todos os cuidados na execução, obtendo-se assim bonitos desenhos…

in  Teles, Liberato, Duas palavras sobre pavimentos, Lisboa, Typographia da Companhia Nacional Editora, 1896, 272 págs.

No anno passado sahiram do prélo a primeira e segunda edicão do primeiro estudo sobre Construcção Civil intitulado "Arte de Dourar", collecção de processos, enriquecida de varias notas interessantes acerca de alguns artistas douradores portuguezes.

Agora no corrente anno, opulentou ,o sr. Liberato Telles a nossa bíbliograiàliia tecbnica, industrial e artistitica com uma obra de grande tomo e importancia, à qual a imprensa do pais se tem referido lisongeiramente e que, fazendo parte da serie "A decoração na construcçao civil", se intitula "Pintura simples", epigraphe modesta que occulta um riquíssimo peculio de processos artisticos de factura pictural.

Pintura simples, Liberato Telles.
Imagem: Alfarrabista Roma

Adorna-o egualmente um interessante esboço historico da pintura, em que se delinem as épocas, tratando os pintores mais. notaveis de cada uma d'ellas, das ditferentes escolas e dos seus característicos, terminando com alguns traços biogaphícos dos principaes pintores portugueses. 

O texto principal da obrae assaz substancioso e util, pois trata detidamente das tintas, technica dos tons, dos oleos, das essencias, dos secantes, das gommas, das massas, das collas e dos vernizes usados na construcçäo civil, no interior e no exterior; segue-se a enumeração dos differentes generos de pintura e a reproducção dos variadissimos processos e termina por um album artisticarnente lithograpliado a cores com amostras das madeiras e marmores mais usualmente imitados.

Não sou Pintor como todos sabem, nem tenho a pretensão de passar por entendido no assunto como ficam sabendo; conheço apenas de pintura o que devem conhecer todos aqueles que seguiram a minha profissão.

in Teles, Liberato, Pintura Simples, A Decoração na Construção Civil, Lisboa, Typographia do Commercio, 1898, 1º vol 233 págs, 2º vol 252 págs.

Se a par d'estas obras publicadas e que tanto honram o seu auctor e abonam as suas faculdades de technico e tratadista nas especialidades, nós quizessemos tambem referirmo-nos às muitas obras de construcção civil que tem dirigido, muito teriamos a dizer, pois se lhe deve a cuidada e intelligente direcção de trabalhos importantes, taes como a transformação do velho pardieiro de Arroyos n'um hospital digno de vista; o alteamento do tecto da sala da Junta Consultiva de Obras Publicas, traballho em que se levantaram as asnas sem tocar no madeiramento; os grandes melhoramentos feitos no Lazareto, obras que dirigiu com notavel proliciencia, merecendo os mais decididos. louvores do engenheiro Cecilio da Costa.

Mas a obra que lhe foi querida por excellencia é a do ambamento interno do edificio da Madre de Deus, em Xabregas, onde o seu bom gosto e são criterio soube multiplicar-se em_carinhosos cuidados, forniando d`aquelIe historico edificio, verdadeiro escrinio de preciosidades, um incomparavel museu de antigos azuleios poriuguezes alli sabiamente collocados. obedecendo a methodica e artística distribuição. 

Ainda por ultimo são obra de direcção sua aquellas enormes abobadas que se estão fazendo no quartel dos marinheiros em Alcantara para sobre ellas assentar a respectivra parada.

Seria na verdade fastidioso querer deixar aqui uma mais Ionga enumeração das obras em que a actividade d'este distincto constructor se tem evidenciado, porque essa lista ficaria sempre muito longe da verdade.

Fallando assim um pouco pormenorisadamente dos trabalhos de Liberato Telles, não quizemos de modo algum. eximir-nos a fallar da vida do homem, accrescendo que o nosso periodico sempre prestou especial cuidado ás biograpliías dos seus retratados. 

Assim, sabemos que Liberato Telles é natural de Cacilhas, onde viu a luz do dia em 21 de janeiro de 1843. 

Pontaleto de Cacilhas, espólio do duque de Palmela, 1885.
Imagem: Delcampe

Seus paes, Francisco Liberato a Silva que foi 2.° commandante da guarda municipal, e D Maurícia Tellesde Castro da Silva, destinaram-o á carreira militar, onde a sua familia conta nomes illustres, frequentando para isso o Collegio Militar, cujo curso não completou, attrahido por outros estudos, como a economia politica, destinando-se à carreira diplomatica. 

Pela morte do conde do Lavradio que prometera protegel-o ne nova carreira, teve Liberato Telles que voltar para outros assumptosa sua actividade intelligente, trabalhando nas obras da fortificacão de Lisboa, e iniciando os seus estudos topográphicos, alcançando em 1863 o logar de aspirante a conductor, sendo collocado no districto de Santarem, onde em trabalhos importantes se conservou até 21 de dezembro de 1877, em que foi transferido para na direcção das obras publicas do districto de Lisboa.

Desde então para cá, Liberato Telles nunca deixou de affirmar os seus dotes de conductor illustrado, merecendo de mais em mais o dcsvanecedor apreço que todos que o conhecem lhe tributam, e ao qual nós juntamos tambem o nosso quinhão.  (1)
Os anuários comerciais de 1885 e 1888, no âmbito do levantamento de exitências de máquinas a vapor, referem a fábrica de britagem de pedra de Liberato Telles, na zona da Lapa, em Cacilhas.

Trituração de Pedras Liberato Telles & Companhia (Lapa, Cacilhas, 1885),
Docas A. J. Sampaio (Lapa, Cacilhas, 1888, 1896),
Fábrica de Britar Pedra Liberato Teles de Liberato Pinto (Cacilhas, 1888).


in A produção social da solidariedade operária: o caso de estudo da Península de Setúbal (1890-1930)

Vista tomada no porto de Cacilhas, face a Lisboa, Hubert Vaffier,  1889.
Imagem: Bibliothèque nationale de France

Para concluir a revista d'este numero, reproduziremos uma noticia que vem avivar-nos a saudosa lembrança de Liberato Telles, ha pouco fallecido. 

Este distinctissimo conductor de obras publicas, ultimamente agraciado com a promoção ao honroso cargo de conductor principal, organizara uma monographia interessante, como outras que elle deu à estampa, ácerca do edificio e egreja do antigo convento de S Paulo, em Almada, cujas obras de restauração foram, durante bastante tempo, dirigidas por aquclle illustre e benemerito funccionario.

Esta memoria, porém, infelizmente ficou manuscripta, e foi pelo auctor offerecida e enderessada ao conselho superior dos monumentos nacionaes, acompanhada de um magnifico album contendo photographias das fachadas, planta e corte do edificio, onde repousam entre outras, as ossadas de fr. Francisco Foreiro, qualificador do Santo Officio, e confessar de D. Joäo lll, que alli falleceu em 1581, e de D. Alvaro Abranches da Camara, um dos mais valorosos campeões da independencia, em 1640, e heroe das luctas com os hollandezes no Brazil. 

O fallecido Liberato Telles, cujo dedicado amor pelas cousas nacionaes e pelos assumptos artisticos e archeologicos era bem conhecido, pedia que o antigo convento de S. Paulo, theatro do pungente drama da vida de fr. Luiz de Sousa, fosse considerado monumento nacional.

Este magestoso templo que se achava já bastante arruinado, está sendo actualmente reparado por um troço de operários sob a direcção do illustre conductòr de obras publicas, sr. Liberato Telles de Castro e Silva.

Estas reparações foram mandadas fazer pelo governo, para o que muito contribuiu o nosso amigo e conterrâneo sr. Antonio Dionizio Parada.

ver artigo relacionado:  Almada em 1897

Ainda ha pouco, um dos nossos mais illustres investigadores, que tantos e tão relevantes serviços tem prestado à historia da arte nacional, o sr. dr. Sousa Viterbo, chamara sobre este ediñcio antiquissimo as attenções dos estudiosos, na sua interessantisstma Memoria, publicada na collecção das Memorias da Academia Real das Sciencias, intitulada: D. Manuel de Sousa Coutinho (fr. Luiz de Sousa) e sua mulher D. Magdalena Tavares de Vilhena (op. de 60 pg. — 1902).

Liberato Telles publicara tambem em 1901, no Boletim da Associação dos Conductores de Obras publicas, e depois em bella separata, a sua exceIente memoria acerca do antigo mosteiro e egreja da Madre de Deus, monographia acompanhada de um precioso album de illustrações de B. Ceia.

Relevante serviço prestariam por certo o Conselho Superior dos Monumentos, ou a referida Associação, publicando a memoria acerca do convento de S. Paulo. (2)



A Decoração na Construção Civil, Liberato Telles.
Imagem: Alfarrabista Roma


(1) O Occidente, revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, n.° 716, novembro, 1898.

(2) O Occidente, revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, n.° 862, dezembro, 1902


Bibliografia de Liberato Teles:


Teles, Liberato, Duas palavras sobre pavimentos, Lisboa, Typographia da Companhia Nacional Editora, 1896, 272 págs.

Teles, Liberato, Pintura Simples, A Decoração na Construção Civil, Lisboa, Typographia do Commercio, 1898, 1º vol 233 págs, 2º vol 252 págs.

Teles, Liberato, Mosteiro e egreja da Madre de Deus, Lisboa, Imp. Moderna, 1899, .

Teles, Liberato, A arte de dourar, Lisboa, Typographia do Commercio, 1900, 3.a edição revista e aumentada, 108 págs.


Outras referências: O Paço de Cintra, Lisboa, Imprensa Nacional 1903.

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